Jornalistas, parem para pensar no que têm feito

No dia 13 de outubro de 2014, a presidenta Dilma Rousseff falou aos jornalistas em entrevista coletiva: “Todos vocês sabem em que circunstância o ministro Guido [Mantega, da Fazenda] está pedindo o afastamento. Todos aqui sabem. Me poupem. Porque eu acho que é uma questão de respeito pessoal”.

Sim, todos os jornalistas, assim como as pedras nas ruas, principalmente de Brasília, sabiam das circunstâncias pessoais pelas quais passava o ministro Mantega. Mesmo assim, aqueles jornalistas continuaram espezinhando o ministro, deturpando o resultado de seu trabalho, destruindo uma reputação, apenas porque ele não representava o projeto de país que eles defendem.

No mesmo mês que Dilma tinha essa conversa com a imprensa que se comporta feito adolescente malcriado, a taxa de desemprego – uma das principais marcas positivas da economia na gestão da Dilma, com Mantega como ministro – caiu para 4,7%, o menor índice para o mês desde que o IBGE passou a divulgar o dado.

Mantega conciliou desenvolvimento social com estabilidade econômica em um quadro de pluralismo democrático, mesmo diante de uma crise global internacional. Desagradou ao mercado financeiro, sim. Mas o resultado de seu trabalho não era destinado ao mercado financeiro, para grande decepção dos empresários da comunicação e seus fieis soldados de pena nas mãos.

Ele não foi aliado do patrão, mas do trabalhador. Como lembrou Jânio de Freitas (uma das poucas vozes dissonantes da imprensa-representante-do-mercado-financeiro), em artigo na Folha de S.Paulo em dezembro de 2014, “Uma equipe econômica aliada e alinhada prioritariamente com os interesses do capital desfruta de habeas corpus. Mailson da Nóbrega levou a inflação a 84%. Ao mês. Sem ser criticado, só saiu porque o governo Sarney acabou. Todos os números do governo Fernando Henrique são piores do que os atuais, mas Pedro Malan, como Mailson, como Marcílio Marques Moreira e tantos outros, saiu do governo para o abrigo gratificante de grandes empresários.”

Com Mantega, o Brasil alcançou, em termos médios, o maior nível de investimento externo de todos os períodos da democracia atual combinados (Itamar, FHC, Sarney, Lula): US$ 65 bilhões anuais.

Ainda como bem lembrou Jânio de Freitas, “quando leio um título negativo como ‘Sete milhões passam fome no país’, prefiro saber que, por baixo dele, diz-se que em dez anos caiu de 6,9% para 3,2% o número de famílias com ‘insegurança alimentar grave.” Ou seja, metade das pessoas já não passam fome e é preciso continuar o caminho trilhado, para que ninguém mais passe por isso.

Mantega fez muito, fez para a maioria. Eu concordo. Gosto. Aprovo. No entanto, entendo que haja pessoas que não concordem, que representem outro setor da sociedade, que preferiam manter o estado anterior de desigualdade social, onde poucos (eles) se beneficiavam e pronto.

A categoria dos jornalistas, por exemplo, parece tomada por esse tipo de gente. Mas, daí a incitar o ódio contra um ser humano… E foi isso que fizeram insistentemente. Foi nisso que transformaram seu dia a dia os jornalistas de economia do Brasil. Incansáveis, fizeram a população acreditar que Mantega deveria ser escorraçado do governo e violentado em praça pública.

Incitados pela mídia raivosa, foi isso que populares fizeram com Mantega ontem (24/2/15), quando ele acompanhava uma parente para tratamento de doença grave em um hospital em São Paulo. O mais triste para mim, é que desde o começo, o tempo todo, como alertou Dilma em 13 de outubro, os jornalistas sabiam. Mas se aproveitaram de uma circunstância pessoal para colocar em prática um projeto sujo e ardiloso de desmonte de uma figura pública.

Me pergunto apenas se essas pessoas vão conseguir dormir à noite tranquilamente, depois de terem visto as cenas do Mantega no hospital. Me pergunto especialmente como estão hoje aqueles jornalistas que ouviram da Dilma: “Me poupem. Porque eu acho que é uma questão de respeito”, numa tentativa vã de não permitir que usassem as circunstâncias para a inquisição daquele que elegeram como erege.

Eu sequer tive estômago para ver as cenas. Eu estou, de verdade, tomada por uma raiva imensa desses profissionais. Estou vivendo um misto de sentimentos, que vai desde o ódio pela minha fraqueza por não ter conseguido continuar nessa profissão, justamente, por não ter sido capaz de conviver cotidianamente com esse tipo de gente, até a satisfação pela solidariedade que tenho visto nas redes sociais de alguns grupos sensíveis que demonstram seu apoio em um momento tão horrível, mesmo o Mantega não sendo mais ministro, “não sendo mais nada”, apenas um ser humano que acompanha sua esposa no tratamento contra um câncer.

A fala da presidenta aos jornalistas está na entrevista abaixo, no minuto 23’14”. Aliás, na mesma entrevista, Dilma fala: “É óbvio que eu acho que vocês [jornalistas] não reconhecem muito, mas que vocês erram, vocês erram, como qualquer ser humano”.

Esta espécie vil na qual a humanidade tem se transformado, eu não aguento.

Obs.: A entrevista completa tem 35’41” e vale ser ouvida na íntegra. Foi um daqueles dias que Dilma estava inspirada e resolveu tratar os jornalistas com a franqueza que deveria usar todos os dias.

Adendo:

Horas depois da publicação deste post, o ex-ministro Mantega divulgou uma nota de esclarecimento. Um gentleman, como sempre, foi tranquilo no esclarecimento sobre como se deram os fatos e não revidou na mesma moeda de barbárie, como esperavam alguns ansiosamente, para poder, mais uma vez, acusá-lo. Ele afirma também que foi ao hospital visitar um amigo. A informação de que ele havia ido acompanhar a esposa foi uma dedução óbvia, uma vez que é sabido que ela vem realizando tratamento contra um câncer. Assim como também é sabido que Mantega tem procurado ser discreto com relação ao assunto. Respeitemos. Porém, independente do que ele tenha ido fazer no hospital, não há nada a mudar na análise que fiz anteriormente sobre o comportamento dos jornalistas e as consequências disso. Veja aqui a íntegra da nota.

1 Resposta to “Jornalistas, parem para pensar no que têm feito”


  1. 1 Lucia Agapito 25 de fevereiro de 2015 às 16:21

    Também não vi as cenas, também estou enojada e desesperançosa com a raça humana e também não aguento isso tudo! Parabéns pelo texto: irretocável, como sempre!!!!


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