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Só no Brasil

Se tem uma coisa que eu não aguento mesmo são as frases que começam com “Só no Brasil…” O que eu vejo nelas é que quem as profere ou nunca pisou além das nossas fronteiras ou, quando pisou, teve uma postura tão subalterna – durante séculos incutida em nossas mentes para que acreditemos que somos menos do que realmente somos – que não viu os problemas dos outros.

Acho que as pessoas ficam cegas pelo deslumbramento de viajar quando saem do Brasil. Afinal, não é possível que só eu veja cocô de cachorro (um problema sem dúvida causado pelos seres humanos que lá habitam) a cada 20 metros nas ruas de Paris. Também não é possível que uma pessoa mais atenta passe uma viagem toda pela Europa sem ver um europeu furando fila. Fiquei menos de 10 dias por lá recentemente e vi por duas vezes europeus (pela forma de falar deveriam ser franceses ou belgas) furando fila descaradamente, do jeitinho que os ignorantes dizem que só acontece no Brasil. Ignorante aqui não leva nenhum caráter de ofença. É apenas a constatação de que as pessoas ignoram algo, não tem conhecimento de como funciona em outros lugares, por isso, insistem no “Só no Brasil…”

Ah, também vi nativos europeus jogando papel no chão. Tudo bem que em alguns locais da Europa há a desculpa de que não existem cestos de lixo nas ruas, especialmente em Londres. Mas, para mim, nada justifica jogar lixo na rua. Também vi o metrô vandalizado, assim como esculturas recém implantadas na cidade de Paris, já com pichação. E em um café em Londres, o cartaz na parede avisa: não deixe suas bolsas e demais pertences nas mesas enquanto escolhe sua comida no balcão, porque não nos responsabilizamos por possíveis furtos. Igualzinho acontece nos “quilos” no Brasil. Igualzinho acontece onde há seres humanos. A diferença é que aqui as pessoas comentam: “Só no Brasil precisa de um aviso desses… onde tem brasileiro tem dessas coisas…”

Nem vou entrar aqui no detalhe da falta de acessibilidade, porque isso merece um texto inteiro dedicado. Escada rolante nos metrôs de Paris é raridade. Elevador então, nem sei se tem. Não lembro de ter visto. Cadeiras de rodas são feitas para ficar dentro das casas por lá. Até porque, a maioria dos edifícios, de poucos andares, também não conta com elevadores. Ou seja, quando reclamamos da nossa acessibilidade aqui, jamais podemos dizer que deveria ser como na Europa. Se fizermos isso, vamos querer regredir.

Não acho que por haver coisas ruins em todos os lugares a gente deva se conformar com o que tem. Acho sim que devemos cobrar melhores condições para os cidadãos, exigir viver em cidades limpas, com urbanismo planejado e muita organização. Só que o tom da cobrança tem que ser outro. Não pode ser “quero que mude, para ficar igual ali”, porque ali, em geral, é igual aqui. Devemos exigir: quero que mude, porque sou cidadão e mereço um espaço melhor, bem cuidado, limpo, organizado, como tem que ser.

Mas, acima de tudo, penso que o ser humano tem que se conformar que, muitas vezes, ele é o problema. Não é o brasileiro que faz tudo errado e desrespeita o próximo. Isso é uma prática da espécie. Ou ela se emenda, ou o planeta, em qualquer país, vai ser cada vez menos suportável.

Tão insuportável quanto foi o fim do voo da volta. O avião aterrissou e, passados alguns minutos, a porta não abria. Então, o piloto informou que teria que locomover a aeronave um pouco, porque tinha sido mal posicionada e não estava se ligando à manga do aeroporto (manga é como se referem os portugueses da TAP ao corredor que liga a aeronave à sala de desembarque). Menos de 30 segundos e o camarada de trás: “Só no Brasil”. ?!?!?! A vontade de soltar um palavrão bateu na boca e voltou.

Mais um minuto e o mesmo gênio: “Quero ver na Copa”. ?!?!?!?! Então, o ignorante (de novo sem ofença) ao lado dele comenta: “Na Copa vai ser uma vergonha. Imagine que aqui ninguém fala inglês. Como os turistas vão se comunicar? Na Europa não tem um lugar que você chegue e não consiga se comunicar em inglês. Você chega falando em inglês e todo mundo de qualquer país responde”. Esse foi o momento que eu constatei que, para ele, Paris não fica em um país da Europa. Afinal, vai lá o gênio do avião tentar chegar falando inglês com um parisiense para ver como vai ser bem recebido. No momento seguinte, o mesmo jovem deslumbrado começou a destilar seu preconceito: “Imagine um turista chegando em uma cidade do Nordeste e tentando falar inglês?” E, então, imitando caricaturalmente um nordestino falando, continuou: “Oxênte, fale direito, meu homi. Num intendu não”. Bom, essa pessoa, aparentemente, tinha passado um ano morando na Espanha. Mas, provavelmente, nunca pisou em uma praia do Nordeste, onde todos os meses, milhares de turistas de todo o mundo chegam e são muitíssimo bem recebidos e, na maioria das vezes, se comunicam muito bem até no tal inglês.

Uma cena dessas… será que só no Brasil?

A tradição da São Silvestre

Eu ia ficar uns dias sem aparecer, porque estou de férias, mas não tem jeito, as coisas que eu não aguento insistem em cruzar meu caminho, em terra e no ar. Será rabugice dos ‘enta? Não, já me apresso em responder. São os humanos mesmo. Estes seres que fazem do mundo um lugar a cada dia pior.
Pois bem, entrei eu no avião e, com toda a boa vontade, abri uma revista que estava disponível: Brasil – almanaque de cultura popular – edição 165, de janeiro de 2013. Em verdade, eu tenho evitado muitas publicações periódicas ultimamente, porque não aguento esse lance de jornalismo que, quando não é mal feito, é canalha.
Explico: raramente as notícias publicadas nos ditos veículos tradicionais de comunicação contam com informação correta e não distorcida. Fico sempre na dúvida se isso acontece porque o autor do texto é burro, não sabe trabalhar, apurar bem uma informação, responder a todas as perguntas básicas (quem, como, quando, onde e por quê) que um texto informativo deve conter, ou se é canalhice e o jornalista usa um espaço informativo para manipular a informação e difundir seus ideais próprios, defender sua patota.
Por não ser a referida revista (ou almanaque, como queiram), um desses veículos tradicionais, resolvi dar um crédito e abri. Eis que logo na página 9 tem matéria sobre o primeiro vencedor da São Silvestre (Alfredo Gomes) ser um camarada que subia a pé a Serra do Mar, por trabalhar na companhia telefônica e ser responsável por verificar as linhas de transmissão da região.
A coisa até estava indo bem, não fosse pela falta de uma informação que se faz relevante para as pessoas compreenderem com quem estão se metendo. A matéria relata que a corrida de São Silvestre foi criada por Cásper Líbero, em 1925, e que a prova tinha início no fim da noite, com o vencedor cruzando a linha de chegada, normalmente, após a meia-noite. A matéria conta que isso só mudaria em 1988.
Ou seja, durante 62 anos a corrida manteve a característica original, acontecia à noite e terminava perto da virada do ano, conforme desejara seu criador. Mas em 1988 tudo mudou, passou a ser disputada à tarde, como consta na matéria.
O que falta no texto é o motivo. Por que passou a ser transmitida à tarde? Não cabia uma linhazinha explicando que foi por interesses comerciais da Rede Globo, que passou a transmitir a prova? Explicando que a Globo estragou o que era tradicional, mas não valorizado por ela, por não ter sido inventado por ela? Por que não permitir que seus leitores saibam que uma prova foi complemtamente desvirtuada em sua tradição porque a Globo não preserva a cultura, não respeita as tradições?
Mais uma vez a dúvida me atormenta: seria o responsável pelo texto alguém que apenas ignora os fatos e por isso não os narra ou há uma má vontade voluntária por trás de tal omissão? Mais uma vez, essas coisas que eu não aguento cruzam meu caminho.


placa Cabo da Boa Esperança

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