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Tentando entender Cuba

Explicar por que escolher ir a Cuba não é difícil. Difícil é explicar por que voltar para casa tão rápido.

Tudo foi maravilhoso. Mesmo com os contratempos – tive uma forte reação alérgica, dos três dias de praia em Varadero só uma tarde teve céu aberto e nossa agenda não coincidiu com a do Museu da Revolução, que tanto queríamos conhecer -, a ideia de voltar a visitar a ilha não nos sai da cabeça. Na viagem de volta para o Brasil, já planejávamos o retorno e isso não é comum para duas pessoas que adoram desbravar novos lugares, conhecer novas culturas e não se adaptam a rotinas e repetições.

ruas de Cuba

O fato é que ainda há muito o que conhecer e compreender em Cuba e temos que ir enquanto ela não se iguala a outros lugares do planeta, porque a abertura econômica pode estar levando a isso, o que fará perder grande parte do charme.

Para entender Cuba, além de se despir de seus conceitos, formados em uma sociedade completamente distinta, é preciso estudar, ler, aprender. Ir lá, dar uma olhada superficial, ter vida de turista e sair ditando tratados sociológicos, é, no mínimo, irresponsável. Se não estiver disposto a tanto, apenas vá, aproveite a beleza e a efervescência cultural da cidade de Havana, se acabe nos mares de água verde e limpa do Caribe, desfrute dos maravilhosos hotéis cinco estrelas (estatais, claro) e faça apenas comentários de turismo. Não se aventure.

Posto isso, vou dar aqui apenas uma pincelada no que pude ver além do olhar turístico, porque não tive tempo nem condições de me dedicar tanto quanto seria necessário para ir além. Vou tentar, ao máximo, zerar meus valores e preconceitos para entender o melhor possível o pouco que vi.

Interior da Catedral de Havana

Interior da Catedral de Havana

Religião – O velho Flosi já ensinara que Cristo foi o primeiro comunista de que se tem registro. Não o Cristo na cruz, filho de um ser imaginário, mas o Cristo figura histórica. No livro Fidel y la religion, que traz conversas de Fidel com Frei Betto, o comandante cubano analisa: “Eu lhes digo que há um grande ponto de convergência entre os objetivos que preconiza o cristianismo e os que buscamos os comunistas; entre a doutrina cristã da humildade, da austeridade, do espírito de sacrifício, do amor ao próximo e tudo que se pode chamar de conteúdo da vida e conduta de um revolucionário”.

Em uma conferência realizada em Cuba, dias antes da entrevista com Fidel para o referido livro, Frei Betto afirma: “Para Jesus, o mundo não se divide em puros e impuros, como queriam os fariseus; se divide entre os que estão a favor do partido da Vida e os que apoiam o partido da Morte. Tudo o que gera mais vida, do gesto de amor à revolução social, está alinhado com o projeto de Deus, da construção do Reino, pois a vida é o maior dom que Deus nos dá”.

Aponto essas citações para observar o fato de que a religião não é execrada, nem tão pouco proibida ou coibida na ilha comunista. O governo, inclusive, transfere recursos para algumas obras da igreja. Me pareceu mais democrático, até, do que países como a França, que se dizem laicos e proíbem uma estudante de entrar na escola com a cabeça coberta pelo véu muçulmano, mas outra pode entrar na mesma escola com uma cruz pendurada no pescoço.

Tudo é do povo, porque é do Estado – em Cuba existem hoje o que no Brasil chamamos parcerias público-privadas, onde o governo se associa a empresas privadas (no caso de Cuba, estrangeiras), que querem investir no país. Lá, neste modelo, no mínimo metade do empreendimento e 100% dos funcionários são cubanos. Isso faz parte da abertura da economia, implantada nos anos 1990. Nas ruas, os mais velhos, que viveram a revolução e sabem a diferença que fez ao país, não aprovam este novo modelo e temem: “Estamos a caminhar rumo ao capitalismo. Está mui mal a coisa”. Esses prefeririam se manter comunistas puros, sem influência e presença de empresas privadas, ainda que em situação minoritária. Já para os mais jovens, a quem os apelos das propagandas comerciais de consumo atingem mais facilmente, a abertura tem sido positiva, permite acesso a bens que antes não podiam ter. Não se sabe o quanto esses bens eram necessários, mas agora são e parte da população tem gostado de acessá-los.

Modelo econômico – a revolução em Cuba implantou um novo modelo econômico, que nunca foi testado em sua plenitude. Houve um embargo, que significava algo assim: se você comercializa com Cuba, não comercializa com os Estados Unidos. Isso, em um momento em que se tinha imputado ao mundo a ideia de que os Estados Unidos valiam alguma coisa, de que o bom era ter na sua casa um pote de xampu americano (ainda que a qualidade fosse ruim perto do que se tinha de oferta em outros países). Então, nunca saberemos o sucesso que teria sido Cuba se tivesse podido importar para a ilha tudo que não era produzido lá e exportar para qualquer país seu excedente. Como seria poder ter feito isso sem permitir a exploração do homem pelo homem, princípio até hoje mantido na ilha?

Eles comem criancinhas – a imagem vendida de Cuba em oposição à americana é caricata, para não dizer ridícula. Mas para a pessoa média, que se conforma com as informações dos jornalões, passa a ser fato. Frei Betto, no já citado Fidel y la religion, afirma que a imagem de homens maus dos comunistas é parte dos caprichos do imperialismo que, mediante seus poderosos meios de comunicação desenha em nossas cabeças a caricatura dos seus inimigos. “Pinta a Raul [Castro, irmão de Fidel, ministro das Forças Armadas de Cuba nas primeiras décadas após a revolução] como a um sectário e a John Kennedy como um bom moço. Mas quem planejou, organizou, patrocinou e financiou a invasão da Baía dos Porcos, em 1961, em flagrante falta de respeito à soberania do povo cubano, foi o jovem, risonho, democrata e católico marido de Jacqueline”. E é isso que temos visto os Estados Unidos da América fazerem ate hoje: pintam como malvados seus inimigos econômicos para justificar sangrentas guerras e ataques cruéis.

Em resumo, o que ficou para mim foi a impressão de um lugar lindo, tanto na arquitetura quanto nas belezas naturais. Um povo simpático, gentil, quase ingênuo e muito amável. E um governo de cunho matriarcal, que quer fazer os filhos usarem agasalho mesmo quando estes não sentem frio. Explico: a moça que não gosta do leite de soja ou o senhor que pede xampu, citados no texto Estamos adorando Cuba são como jovens que saem de casa vestindo só camiseta quando a mãe diz que se faz necessário agasalho.

O governo age como se quisesse o melhor para seus filhos. Quer controlar, por exemplo, o uso de óleo na alimentação, porque quer que haja diminuição das frituras na mesa da família cubana. E todo esse controle exercido em diversos aspectos pelo governo é baseado, muitas vezes, em pesquisas, em resultados da medicina e da ciência. Mas, até que ponto o cidadão não tem o direito de se acabar no colesterol? Não seria suficiente, para um povo tão culto, tão inteligente, receber a informação? É preciso isolá-lo das más influências? Em todo o mundo, é isso que as mães tentam fazer o tempo todo. Mas não é paternalista demais um governo decidir como são as ações cotidianas nos interiores dos lares? Não sei. Preciso voltar para viver mais e compreender melhor, porque eu não aguento gente que critica ou idolatra sem ter tentado compreender com o mínimo de profundidade o que se passa.

sinal fechado em Cuba


placa Cabo da Boa Esperança

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