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Yoani, o filme

cartaz A viagem de YoaniAssisti ao filme A viagem de Yoani, sobre a blogueira cubana que ganha a vida falando contra a ditadura cubana e a falta de liberdade de expressão em seu país. Vive disso, dentro da ilha que acusa.

O filme não alterou minhas convicções em nada (e acho que também não alterou a convicção de quem está convicto do oposto que eu) e pouco acrescentou em termos de informação.

O dado mais relevante apresentado foi a elucidação do mecanismo de financiamento da blogueira. Até mesmo nas colônias de formigas do Butão comenta-se que ela é financiada pelos Estados Unidos e eu já imaginava que não deveriam ser feitos depósitos mensais em cheques da CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos, na sua conta no Banco de Cuba. O filme mostra que ela recebeu dezenas de prêmios da mídia internacional (sempre ela…) em dinheiro. Um deles foi recebido meses depois de ter iniciado seu blog. Este mesmo prêmio só foi concedido ao escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez 14 anos depois de ter iniciado seu trabalho. Estou falando de Gabriel Garcia Marquez, não do Zé da esquina. E Yoani com seu blog não passa da Maria da esquina. No entanto, ela já recebeu tantos prêmios, que acumulam o valor de 158 anos de salário mínimo cubano. Dura a vida da blogueira…

Vale observar que, assim como não acredito que jornalistas de veículos como a Veja, por exemplo, escrevam suas matérias com facas no pescoço, obrigados a digitar o que não querem, penso que a blogueira também não é refém de um sistema maior que ameaça sequestrar e torturar sua família se ela não fizer o que mandam. Os jornalistas da Veja defendem o mesmo projeto de sociedade que seus patrões por isso fazem com a informação o que fazem e Yoani defende e acredita nas ideias que coloca na internet.

Ou seja, não exageremos. Para os dois lados.

Também achei que faltou contextualização na forma como o filme apresenta as negativas que a blogueira teve para sair do país. Eles tratam o assunto como se isso fosse uma característica só de Cuba e fixam-se apenas no caso Yoani. Como já relatei, em viagem a Cuba conversei com muitos cubanos que já saíram do país de forma regular ou tiveram parentes que o fizeram sem nenhuma dificuldade com o governo. Fizeram seu turismo, voltaram e lá estão. Os cubanos que querem deixar a ilha podem fazê-lo e todos os anos quase 950 mil saem. Destes, 830 mil voltam. Significa que menos de 13% se estabelecem no exterior. O que não deve ser uma marca muito maior que a média mundial. Vale ressaltar que apenas 0,6% das pessoas que querem sair do país são proibidas pelo governo, de acordo com a Global Research. Além desse tipo de informação, faltou ao filme observar que o impedimento de saída dos países acontece em qualquer lugar do mundo. Ou você acha que passa na imigração e apresenta seu passaporte quando vai viajar para quê? No Brasil, quem não está em dia com as obrigações eleitorais, não pode ter passaporte. Assim como quem está em dívida com a justiça ou sob julgamento fica impossibilitado de sair, mesmo que tenha passaporte. E cada país tem suas regras. Faltou ao filme esclarecer os motivos que levaram os pedidos de saída de Yoani a serem negados. Só assim conseguiríamos formar um juízo de valor sobre ser ou não perseguição à pobre (nem tanto) blogueira.

Voltando ao que o filme acrescentou, além desta informação sobre do que vive Yoani, o que mais me chamou atenção foi o quanto Yoani se assemelha à Marina Silva: em seu jeito messiânico, em suas roupas, em sua postura, em seu aspecto físico, na cara de vítima que sustenta, na trajetória de vida que é contada, enfim, em absolutamente tudo. Parece um padrão de comportamento.

E, assim como já falei sobre a política brasileira Marina Silva, Yoani também não tem estofo. Não resistiria a um mês de embate político sério, como Marina não sobreviveu quando se tornou cabeça de chapa nas eleições presidenciais de 2014.

Na minha opinião, o filme, que quer ser um documentário, poderia ter seus recursos mais bem aproveitados. Poderia ter se mantido neutro, como se propõe, mas ter sido mais consistente na divulgação de argumentos, tanto da blogueira quanto dos que a criticam, que aparecem no vídeo como uma juventude histérica e inconsistente.

Gente que perde oportunidades, eu não aguento.

Estamos adorando Cuba

Tínhamos uma semana de férias, exatos 7 dias, e o destino escolhido foi Cuba. Logo no segundo ou terceiro dia nos perguntávamos por que havia demorado tanto, por que esse destino não foi escolhido antes. Adoramos Cuba.

Em certa medida, ter conhecido Cuba depois de outras experiências, como a África, por exemplo, foi muito bom, porque o exercício de nos despirmos de nossos valores e conceitos, de nossa cultura original, já tinha sido praticado muitas vezes antes e ficou muito mais fácil. E, para Cuba, é extremamente necessário.

Antes de ir, ouvi comentários favoráveis e contrários, indicando que a ilha de Fidel seria o paraíso ou o inferno. Aliás, a conotação religiosa cai bem, porque esse é um dos primeiros pré conceitos que ficam para trás. Não, os comunistas não são necessariamente contra o culto religioso. Depende, claro, de como as coisas são feitas. Se é alienante, não é bom. Como também não é bom o trabalho alienante. Como nunca é bom ser alienado, porque torna a pessoa vulnerável e esta passa a ser oprimida por outro. Mas isso daria um livro e não um texto de um blog. Voltemos às impressões mundanas…

Logo no início do livro Fidel y la religion, que traz conversas de Fidel com o Frei Betto, a citação de uma frase do comandante da revolução de Cuba diz tudo: “Nos casaram com a mentira e nos obrigaram a viver com ela”.

O fato é que Cuba não me pareceu nem o paraíso nem o inferno. Em verdade, a única coisa que posso mesmo dizer é que preciso voltar. Preciso de mais tempo. Ninguém que tenha passado menos de seis meses em Cuba poderá dizer o que é aquele lugar. É preciso tempo para digerir tudo que se vê e construir raciocínios claros e minimamente justos. E, mesmo que se passe anos por lá, se não tiver a capacidade de rever seus valores, compreender novos conceitos, se abrir para enxergar todas as relações humanas sob um novo ângulo, nunca se compreenderá Cuba.

É fácil se impressionar com a moça que lhe pede para comprar um saco de leite em pó para ela, porque tem duas filhas pequenas e o leite que o governo lhe dá não é suficiente para o mês todo. Na verdade, o tipo de leite que ela gostaria de receber e para beber na quantidade que ela gostaria é que não lhe é dado. Ela recebe leite de vaca em uma quantidade reduzida e leite de soja em maior quantidade. Mas não gosta. Também é tentador pegar um pote de xampu que o hotel lhe oferece e entregar para o cubano que fica na porta do hotel pedindo xampu como se isso fosse a coisa mais importante de sua vida.

Por outro lado, é curioso descobrir que os cubanos que querem deixar Cuba podem fazê-lo e que todos os anos quase 950 mil cubanos saem, fazem turismo, e 830 mil voltam para continuar sua vida no comunismo. Ou seja, menos de 13% se estabelecem no exterior. O que não deve ser uma marca muito maior que a média mundial. Vale ressaltar que apenas 0,6% das pessoas que querem sair do país são proibidas pelo governo.* É bom lembrar que isso acontece em qualquer país do mundo. No Brasil, por exemplo, quem não está em dia com as obrigações eleitorais, não pode ter passaporte. Assim como quem está em dívida com a justiça ou sob julgamento. O número 0,6% não me parece algo ao que devemos nos apegar, certo?

Para mim, foi encantador ver o nível de conhecimento geral, de geografia, de história e de lógica de qualquer pessoa nas ruas. Até mesmo do homem que pede xampu.

Eduardo ao lado dos funcionários do governo cubano que, nos restaurantes, cozinham, servem e alegram o ambiente com a autêntica música cubana

Eduardo ao lado dos funcionários do governo cubano que, nos restaurantes, cozinham, servem e alegram o ambiente com a autêntica música cubana

É surpreendente e maravilhoso saber que todos os músicos que você ouve nos bares e restaurantes por onde vai – e lá sempre tem música ao vivo – são pagos pelo governo, pelo ICRT – Instituto Cubano de Rádio e Televisão.

Ou seja, para entender Cuba, esqueça tudo que você sabe da vida até agora. É preciso rever até o valor de um xampu. Um amigo que foi para lá antes de nós, comentou: “em Cuba, todos são formados para ser engenheiros da Nasa, não tem gente com menos conhecimento lá”. E é isso mesmo. Só que ao cara que tem cabeça para ser engenheiro da Nasa foi dito que lavar os cabelos com um sabão inferior é mais grave do que não ter cultura. Para ele, isso passou a ser verdade e toda sua formação cultural deixou de ter valor.

Por isso, para entender Cuba, é preciso, inclusive esquecer o formato de vida que você vive. Olhe a sua volta, pense nos trabalhadores que encontra ao longo do dia: ascensorista, atendente na padaria, garçom, comerciário, artesãos, pintores, bancários… todos eles são funcionários do governo. Uma dessas pessoas comentou conosco sobre os cubanos que trabalham no exterior, o que é um grande orgulho para o país. E, para ela, mais orgulho ainda é o fato deles continuarem sendo funcionários do governo cubano: “A pessoa não consegue emprego em uma empresa privada e vai para outro país. Ele é mandado pelo governo, é um representante do governo. Aqui ou lá, continua sendo um funcionário público cubano”.

Além disso, é relevante pensar que o trabalhador em Cuba não escolhe o emprego ou a profissão pelo salário ou espaço no mercado de trabalho, o que conta é a vocação. Seja engenheiro ou pintor, seu valor social é equivalente e você vai receber do governo o suficiente para viver. Dentro dos princípios não capitalistas, claro. Mas o fato é que, independente da profissão, todos recebem o mínimo para viver, em termos de alimentos, educação, assistência à saúde, etc. Mesmo que não esteja trabalhando. Existe uma taxa de desemprego no país em torno de 6%. Em geral, são pessoas que estão formadas, mas no local onde desejam trabalhar não há emprego no momento. Então, o governo mantém esse cidadão com o mínimo essencial até que haja oportunidades na sua área no local onde deseja.

Enfim, se você está disposto a se despir e tentar compreender comigo esse lugar mágico, vamos aos próximos textos.  Sabendo, desde já, que eu não aguento gente preconceituosa.

*Dados retirados do texto Como as embaixadas ocidentais limitam as viagens dos cubanos, de Salim Lamrani, para Global Research, em 18/11/2013.


placa Cabo da Boa Esperança

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