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Afinal, votou na Dilma votou no Temer?

Dentro de um mês vamos ter eleições no Brasil – assim esperamos, ao menos – e uma questão que tem me incomodado muito há dois anos é a minha descoberta do quanto as pessoas não têm a menor noção do mecanismo da eleição.

Isso ficou claro quando Michel Temer começou a executar o programa de governo Ponte para o Futuro e a gente passou a ouvir na rua que a culpa é de quem elegeu a Dilma, porque “votou na Dilma votou no Temer”.

Não! Eu não aguento ouvir isso! É a confissão suprema de que não está entendendo nada.

lei 9.504/97, que estabelece normas para as eleições, exige que candidatos a chefe do Executivo entreguem seus planos de governo à Justiça Eleitoral, como parte da lista de documentos obrigatórios. Ou seja, não entregar impossibilita o registro da candidatura.

Em 2014, quando o nome de Dilma foi registrado como candidata à presidência, junto foram registrados o nome de Temer como candidato a vice e o programa de governo Mais mudanças, mais futuro. Votar na Dilma era votar no Mais mudanças, mais futuro.

É importante entender que a pessoa na qual votamos é quem executará o plano de ação que escolhemos para o governo. Ao votar na urna, estamos escolhendo um projeto de país que queremos, bem como um projeto de estado ou cidade. Um projeto que será alcançado com a colocação em prática de determinado programa de governo.

Em 2014, a maioria do povo brasileiro escolheu o plano Mais mudanças, mais futuro para ser executado. Ainda que a Dilma tivesse cometido crime de responsabilidade e merecesse sofrer o impedimento de continuar como presidenta da República, o sucessor deveria ter continuado o mandato agindo com base no previsto no plano escolhido pela maioria do povo brasileiro. Aí sim, o “votou na Dilma, votou no Temer” faria sentido.

mais mudanças mais futuroNo entanto, o que aconteceu foi que o vice-presidente, eleito junto com a Dilma para colocar em prática aquele programa, passou a implementar outro programa, o Ponte para o Futuro, que não foi submetido à aprovação popular. A Dilma sofreu o impeachment (ainda que injustamente), mas não seu programa. Não houve nova eleição. O povo tinha escolhido que fosse implementado o programa de governo Mais mudanças, mais futuro durante quatro anos. Alterar isso, passar a implementar outro programa no meio do mandato foi um golpe na vontade do povo.

Daqui a um mês, vamos escolher o plano de governo a ser colocado em prática no Brasil a partir de 2019. Vale o mesmo para os governos estaduais e do Distrito Federal. Em tese, a propaganda eleitoral serve para que os candidatos divulguem esses planos de governo. Mas a melhor forma de saber exatamente o que pretende fazer cada candidato, é conhecer seu programa de governo protocolado juntamente com a sua candidatura.

Por exemplo, se você ficou sensibilizado com a destruição do Museu Nacional, que pegou fogo no Rio de Janeiro no início de setembro, e acha que o próximo presidente tem que ter política específica para museus, saiba que somente dois programas de governo tratam disso. Ou seja, se votar em qualquer um dos outros, não vai poder reclamar que não fizeram nada pelos museus, porque eles nem disseram que fariam mesmo.

Leia mais sobre os programas de governo na matéria Qual o valor prático dos planos de governo entregues ao TSE.

Jornalistas, parem para pensar no que têm feito

No dia 13 de outubro de 2014, a presidenta Dilma Rousseff falou aos jornalistas em entrevista coletiva: “Todos vocês sabem em que circunstância o ministro Guido [Mantega, da Fazenda] está pedindo o afastamento. Todos aqui sabem. Me poupem. Porque eu acho que é uma questão de respeito pessoal”.

Sim, todos os jornalistas, assim como as pedras nas ruas, principalmente de Brasília, sabiam das circunstâncias pessoais pelas quais passava o ministro Mantega. Mesmo assim, aqueles jornalistas continuaram espezinhando o ministro, deturpando o resultado de seu trabalho, destruindo uma reputação, apenas porque ele não representava o projeto de país que eles defendem.

No mesmo mês que Dilma tinha essa conversa com a imprensa que se comporta feito adolescente malcriado, a taxa de desemprego – uma das principais marcas positivas da economia na gestão da Dilma, com Mantega como ministro – caiu para 4,7%, o menor índice para o mês desde que o IBGE passou a divulgar o dado.

Mantega conciliou desenvolvimento social com estabilidade econômica em um quadro de pluralismo democrático, mesmo diante de uma crise global internacional. Desagradou ao mercado financeiro, sim. Mas o resultado de seu trabalho não era destinado ao mercado financeiro, para grande decepção dos empresários da comunicação e seus fieis soldados de pena nas mãos.

Ele não foi aliado do patrão, mas do trabalhador. Como lembrou Jânio de Freitas (uma das poucas vozes dissonantes da imprensa-representante-do-mercado-financeiro), em artigo na Folha de S.Paulo em dezembro de 2014, “Uma equipe econômica aliada e alinhada prioritariamente com os interesses do capital desfruta de habeas corpus. Mailson da Nóbrega levou a inflação a 84%. Ao mês. Sem ser criticado, só saiu porque o governo Sarney acabou. Todos os números do governo Fernando Henrique são piores do que os atuais, mas Pedro Malan, como Mailson, como Marcílio Marques Moreira e tantos outros, saiu do governo para o abrigo gratificante de grandes empresários.”

Com Mantega, o Brasil alcançou, em termos médios, o maior nível de investimento externo de todos os períodos da democracia atual combinados (Itamar, FHC, Sarney, Lula): US$ 65 bilhões anuais.

Ainda como bem lembrou Jânio de Freitas, “quando leio um título negativo como ‘Sete milhões passam fome no país’, prefiro saber que, por baixo dele, diz-se que em dez anos caiu de 6,9% para 3,2% o número de famílias com ‘insegurança alimentar grave.” Ou seja, metade das pessoas já não passam fome e é preciso continuar o caminho trilhado, para que ninguém mais passe por isso.

Mantega fez muito, fez para a maioria. Eu concordo. Gosto. Aprovo. No entanto, entendo que haja pessoas que não concordem, que representem outro setor da sociedade, que preferiam manter o estado anterior de desigualdade social, onde poucos (eles) se beneficiavam e pronto.

A categoria dos jornalistas, por exemplo, parece tomada por esse tipo de gente. Mas, daí a incitar o ódio contra um ser humano… E foi isso que fizeram insistentemente. Foi nisso que transformaram seu dia a dia os jornalistas de economia do Brasil. Incansáveis, fizeram a população acreditar que Mantega deveria ser escorraçado do governo e violentado em praça pública.

Incitados pela mídia raivosa, foi isso que populares fizeram com Mantega ontem (24/2/15), quando ele acompanhava uma parente para tratamento de doença grave em um hospital em São Paulo. O mais triste para mim, é que desde o começo, o tempo todo, como alertou Dilma em 13 de outubro, os jornalistas sabiam. Mas se aproveitaram de uma circunstância pessoal para colocar em prática um projeto sujo e ardiloso de desmonte de uma figura pública.

Me pergunto apenas se essas pessoas vão conseguir dormir à noite tranquilamente, depois de terem visto as cenas do Mantega no hospital. Me pergunto especialmente como estão hoje aqueles jornalistas que ouviram da Dilma: “Me poupem. Porque eu acho que é uma questão de respeito”, numa tentativa vã de não permitir que usassem as circunstâncias para a inquisição daquele que elegeram como erege.

Eu sequer tive estômago para ver as cenas. Eu estou, de verdade, tomada por uma raiva imensa desses profissionais. Estou vivendo um misto de sentimentos, que vai desde o ódio pela minha fraqueza por não ter conseguido continuar nessa profissão, justamente, por não ter sido capaz de conviver cotidianamente com esse tipo de gente, até a satisfação pela solidariedade que tenho visto nas redes sociais de alguns grupos sensíveis que demonstram seu apoio em um momento tão horrível, mesmo o Mantega não sendo mais ministro, “não sendo mais nada”, apenas um ser humano que acompanha sua esposa no tratamento contra um câncer.

A fala da presidenta aos jornalistas está na entrevista abaixo, no minuto 23’14”. Aliás, na mesma entrevista, Dilma fala: “É óbvio que eu acho que vocês [jornalistas] não reconhecem muito, mas que vocês erram, vocês erram, como qualquer ser humano”.

Esta espécie vil na qual a humanidade tem se transformado, eu não aguento.

Obs.: A entrevista completa tem 35’41” e vale ser ouvida na íntegra. Foi um daqueles dias que Dilma estava inspirada e resolveu tratar os jornalistas com a franqueza que deveria usar todos os dias.

Adendo:

Horas depois da publicação deste post, o ex-ministro Mantega divulgou uma nota de esclarecimento. Um gentleman, como sempre, foi tranquilo no esclarecimento sobre como se deram os fatos e não revidou na mesma moeda de barbárie, como esperavam alguns ansiosamente, para poder, mais uma vez, acusá-lo. Ele afirma também que foi ao hospital visitar um amigo. A informação de que ele havia ido acompanhar a esposa foi uma dedução óbvia, uma vez que é sabido que ela vem realizando tratamento contra um câncer. Assim como também é sabido que Mantega tem procurado ser discreto com relação ao assunto. Respeitemos. Porém, independente do que ele tenha ido fazer no hospital, não há nada a mudar na análise que fiz anteriormente sobre o comportamento dos jornalistas e as consequências disso. Veja aqui a íntegra da nota.


placa Cabo da Boa Esperança

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