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O mal do país pode não estar onde você pensa…

Se tem coisa que eu não aguento, é ser massa de manobra. Esse negócio de me contarem uma história e já me darem a conclusão, já apontarem quem é o mocinho e quem é o bandido… fico desconfiada. Gosto de fazer meu cérebro trabalhar e descobrir minhas próprias conclusões. Jornalistas, me dêem informação, a interpretação é minha!

Assim, das revistas semanais do Brasil, eu leio apenas a Carta Capital e gosto especialmente dos textos do jornalista André Barrocal, de quem sou fã e ainda tenho o privilégio de ser amiga. Ele faz exatamente isso. Seu texto não me diz o que eu devo pensar ou usa subterfúgios para me fazer chegar às suas conclusões. Ele informa, eu reflito, eu concluo.

capa cartaNa revista dessa semana, a Carta Capital deu mais um show com a matéria de capa Devo, não nego – o rombo de 30 bilhões de reais no orçamento poderia ser coberto pela caça à sonegação. Ao longo da leitura, confirmei algumas suspeitas, concluí coisas novas e encontrei dados importantes para minha compreensão de vários acontecimentos. Talvez algumas conclusões nem fossem esperadas pelo pessoal da revista, talvez eles tivessem outra expectativa, podem ser até conclusões óbvias demais para quem está entranhado nas informações como eles e pode haver outras que eu nem percebi. Mas foi a minha leitura. E divido aqui com vocês, por achar que as informações que constam ali são realmente preciosas.

A matéria trata do rombo no orçamento da União, que poderia ser coberto se os sonegadores fossem obrigados a pagar o que devem. Até dezembro, a Dívida Ativa da União deve ultrapassar 1,5 trilhão de reais, entre impostos, taxas em geral, contribuições à Previdência Social, multas ambientais, entre outras. E não pensem vocês que estamos falando de dívidas dos pequenos comerciantes, de microempresários, dos jovens empreendedores que podem se embananar na contabilidade. “Os maiores caloteiros são companhias poderosas”, observa a matéria. Os setores campeões de pendências tributárias são a indústria de transformação, o comércio, os bancos, os produtores de alimentos e bebidas, as empreiteiras e as instituições de ensino. E mais: “Os grandes grupos econômicos são os principais ocultadores de patrimônio”. Patrimônio esse que seria executado para fins da recuperação do dinheiro não pago quando a empresa perdesse a causa na justiça. São “contribuintes dispostos a ganhar a vida à custa da sociedade”. A matéria mostra ainda que as empresas tem um verdadeiro “planejamento tributário institucionalizado” que visa, justamente, evitar – ou pelo menos postergar ao máximo – o pagamento do que devem ao Estado. Ou seja, mesmo devendo, eles não pagam, são cobrados administrativamente, continuam não pagando, são cobrados judicialmente e aí deitam em berço esplêndido. Conclusão: no rombo das contas públicas, temos um primeiro culpado – as empresas.

As empresas deitam em berço esplêndido enquanto os juízes sentam nos processos, com seus longos dias de férias, licenças, recessos e sem prazo para apresentar o trabalho. Os processos se arrastam. Dos 100 milhões de processos, 70% jamais foram objeto de julgamento. O mais bizarro: quem entra na lista da Dívida Ativa é proibido de participar de licitações, assinar contratos com o poder público e tomar empréstimo oficial. Mas a proibição acaba no momento em que se inicia o processo judicial. Nesse ritmo, de 2008 pra cá, apenas 1,3% do total da dívida foi recuperado. Conclusão: no rombo das contas públicas, temos um segundo culpado – o judiciário.

Mas não tem lei nesse país? Ah, tem sim. “Uma série de leis ultrapassadas e incapazes de produzir sentenças rápidas”, como escreve Barrocal. O advogado tributarista, Heleno Torres, ouvido pela revista, afirma que “a lei brasileira é muito ruim. Não existe nada parecido no mundo”. Conclusão: o Legislativo, que faz as leis, também é culpado.

Não podemos esquecer que os membros do Legislativo (senadores, deputados federais e estaduais e vereadores) têm suas campanhas eleitorais financiadas por grandes empresas ou grupos econômicos. Daí, juntando uma coisa com a outra e com outra que nem está no texto, mas é assunto do momento, dá pra entender por que discutir o financiamento empresarial de campanha é tão importante.

Como escreveu André Barrocal: “No Brasil, sempre foi mais fácil arrancar o couro da tigrada”.

Tudo por um furo

Tudo por um furoFui assistir ao filme Anchorman 2 que, na péssima tradução em português virou Tudo por um furo. Tudo bem não chamar o Âncora 2, mas poderia ter alguma relação com o roteiro e chamar Tudo pela audiência, talvez… Enfim, não é para falar do título que abri o texto. Apesar de ter aberto com o assunto. Dilemas… O que me incentivou a escrever foram dois momentos do filme, que podem levar a algumas reflexões.

O primeiro é quando o apresentador resolve entregar ao público a notícia “que eles querem, não a que eles precisam” e eleva brutalmente a audiência na madrugada. A diferença com o Brasil é que nos Estados Unidos o assunto que o povo quer é mensagem patriótica, com aquela visão limitada do mundo – afinal, o mundo são apenas eles -, mostrando o quanto lá a vida é maravilhosa, mesmo que não seja para todos (mas isso não se mostra). No Brasil, o que se entende que o povo quer é antipatriotismo, com mensagens comparando o país com qualquer lugar, sendo que lá sempre é melhor. Mas a questão de fundo é a mesma. Até que ponto, para ter mais audiência, temos que entregar o que o senso comum quer? Será que o senso comum tem informações suficientes para pautar os meios de comunicação?

O outro momento de reflexão é quando o âncora não tem matéria para colocar no ar, entra no estúdio para apresentar o jornal e vê em um dos monitores a imagem de uma perseguição que está sendo transmitida pelo que seriam “as câmeras da CET”. Então, ele manda colocar a imagem no ar e começa a falar em cima, narrando aquele nada… e se empolga e começa a especular sobre quem estaria no carro, os motivos que o teriam levado àquilo, etc. etc. Tudo baseado em nenhuma informação, apenas na imaginação do apresentador. E o público delirando segue aumentando a audiência…

O filme satiriza esses dois aspectos do telejornalismo baseado nas telas estadunidenses, mas poderia bem estar tratando do que assistimos nas TVs comerciais abertas no Brasil. Em que momento e por qual razão jornalismo que presta serviços, induz à cidadania e conscientiza as pessoas deixou de ter espaço para os meninos amarrados nos postes ou ações espetaculosas da polícia filmadas ao vivo?

No mais, o filme é cheio de referências a jornalistas e peculiaridades dos Estados Unidos que talvez não sejam tão bem percebidas por quem não é de lá ou não teve uma vivência com eles. Acaba parecendo mais um pastelão nonsense. Mas ainda acho que vale ir assistir para ver como você se sente quando ele apresenta esses dois momentos tão presentes nas nossas telas. Eu senti que eu não aguento esse jornalismo comercial de baixa qualidade e homogêneo que se vê por aí…

Notícia é o novo, não o cotidiano

Existe um grande problema com a divulgação das notícias: emissor e receptor trabalham com conceitos diferentes. A população em geral acredita que o jornal (seja impresso, de rádio ou televisão) é uma espécie de resumo do que se dá no mundo, é um reflexo do cotidiano. Já para o jornalista, notícia é a exceção. Um exemplo clássico das aulas de jornalismo é: “o cão morder o homem não é notícia; notícia é o homem morder o cão”.

Assim, quando a pessoa vê o noticiário acredita estar tendo um panorama do mundo. Já o jornalista, quando selecionou o que divulgaria, pegou aquilo que é diferente, incomum. E você pensa: “Oras, mas a exceção não é o que faz o mundo”. Exatamente. Os jornais mostram lá 20 ou 30 situações extraordinárias do cotidiano e fazem com que seus consumidores acreditem que elas refletem o caminhar da humanidade.

Vamos exemplificar para ficar mais claro: o pai do aluno o matricula na escola, o aluno vai a escola, a professora também vai, as aulas correm normalmente, no fim do mês a professora recebe seu salário, no fim do ano o aluno – se teve boas notas – recebe seu diploma. Não é notícia. Situação dois: o pai do aluno o matricula na escola, o aluno vai a escola, a professora não vai, quando vai fica no celular e não dá aula, o aluno filma a professora namorando no celular durante a aula. Vira notícia.

Não é difícil perceber, olhando o mundo à sua volta, que acontece muito mais vezes a primeira situação do que a segunda. Mas a “midiatização” da segunda, faz quem recebe a notícia ter a percepção de que ela é que acontece diariamente, em 90% das salas de aula.

Escrevo isso na tentativa de ajudar as pessoas que se deixam manipular pela mídia a receberem as notícias de todo dia com um outro olhar. Porque ser massa de manobra da grande mídia, isso, eu não aguento.

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